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Sobrevivendo ao caos

 

por Marcos Vinicios Coelho

Comprar fitas de vídeo em VHS nunca foi costume de muitas pessoas, pois além de serem poucos os lançamentos para o público em geral, os filmes eram caros, e o próprio formato das fitas exigia espaço e cuidados especiais para não mofar depois de alguns meses na prateleira. Mesmo depois do surgimento dos DVDs, com uma maior probabilidade de preservação pelos colecionadores, a rotina e o hábito de se alugar filmes ainda era o mais comum.

Mas o tempo foi passando e as videolocadoras pagaram o preço pelo avanço tecnológico. O barateamento dos DVDs, a chegada da televisão digital, o fácil acesso aos dispositivos móveis, os serviços de assinatura de filmes pela internet e a TV a cabo tornaram as videolocadoras antiquadas. Segundo dados divulgados pela União Brasileira de Vídeo e Games (UBV&G), entre 2003 e 2005, havia quase 14 mil videolocadoras no Brasil, número que caiu para 6 mil em 2009 e, ao fim de 2017, estimava-se  aproximadamente 4 mil videolocadoras registradas.

Uma locadora “sobrevivente” à crise é a Aplausos Vídeo, localizada, desde 2004, no bairro Monte Castelo e administrada pela aposentada Ana Beatriz Rocha e sua irmã Maria da Penha da Silva. Segundo a proprietária, a locadora não é uma fonte de lucro e, sim, uma distração para ela e a irmã: “Não deixamos nem a porta aberta. Como a locadora fica embaixo da nossa casa e não pagamos aluguel, decidimos continuar com ela, então quem quer alugar algum filme é só gritar que nós descemos pra atender. Compramos filmes uma vez ou outra, porque já não estava valendo a pena gastar R$ 100 em um DVD que não iria se pagar pelas locações. Não fechamos porque acaba sendo uma distração para mim e para minha irmã, os clientes já conhecem a gente, muitos vêm para bater um papo e acabam levando um filme, não temos previsão de quanto tempo vai durar, mas vamos levando”.

Maria da Penha, a irmã da proprietária, que é professora aposentada e revendedora de cosméticos, lamenta que as locadoras tenham perdido tanto espaço e diz quando começou a ver o movimento decair: “Foi mais ou menos de 2012 em diante, quando a gente começou a perceber que as reservas iam caindo e o número de vendedores de filmes também baixaram, e tivemos que começar a comprar pela Internet e diretamente nas lojas”, lastima.

Casos como a da Aplausos Vídeo são exceção diante da escassez de videolocadoras nos dias de hoje, pois grande parte fechou suas portas e/ou deu espaço para outros estabelecimentos. Essa disseminação foi inegavelmente influenciada por provedoras como a Netflix, que faz parte da nova era tecnológica dos serviços de vídeo por demanda (VOD, do inglês video on demand). A provedora, inclusive, ajudou a desbancar a maior rede de locadoras do mundo, a estadunidense Blockbuster. E assim, sobrevive-se ao caos tecnológico.

O começo do fim

 

por Marcos Vinicios Coelho

Aberta em julho de 1996, a América Vídeo era uma das mais lucrativas e conhecidas videolocadoras da Zona Norte de Juiz de Fora. Foi fundada pelo empresário Ricardo Villas, cuja administração delegou à filha Adriana Villas, que ficou à frente do estabelecimento por 16 anos, conciliando a administração da empresa com o trabalho de veterinária. Em 2004, em parceria com sua irmã, Adriana abriu uma clínica veterinária ao lado da locadora, , podendo se dedicar às duas atividades.

Segundo ela:“Fomos uma das primeiras locadoras a abrir na região, assim já viramos uma referência. Pessoas de todos os bairros da Zona Norte vinham alugar conosco, sem contar de diversos outros, porque a locadora era localizada próxima de grandes empresas, portanto, tínhamos clientes de diferentes regiões. Com isso, cativamos clientes fiéis que, mesmo tendo locadoras mais próximas, alugavam conosco”, explica Adriana.

Os anos foram se passando e Adriana já não conseguia conciliar as duas empresas. Então, em abril de 2011, resolveu passar o ponto da locadora para sua funcionária, pois “A clínica me consumia muito, e ter que lidar com a burocracia da locadora já consumia um tempo que eu não tinha, então, propus à Sabrina, que era a recepcionista contratada, que pegasse o ponto para ela, já que na época o negócio era lucrativo”.

Em 2014, três anos depois de comprarem a locadora, Sabrina Vieira Neto e seu marido, Waldemiro Junior, começaram a sofrer com os prejuízos financeiros da locadora. A queda de clientes, a falta de vendedores fixos e o alto custo dos filmes formaram um conjunto de fatores que fez o casal decidir investir em outro negócio. Resolveram, então, comprar a padaria que ficava em frente ao local, investindo no ramo alimentício, ocupação que mantêm até hoje.

O espaço onde ficava a locadora foi absorvido pela clínica veterinária de Adriana, que ampliou seu negócio. E uma das principais vídeolocadoras da Zona Norte deixou oficialmente de existir no dia 18 de março de 2015.

Recordando momentos

 

por Marcos Vinicios Coelho

Andando pelo bairro, com os pensamentos distantes, entro naquela rua, olho para aquele armarinho que um dia foi a locadora de vídeos Cinemax... a primeira na qual entrei. Não me recordo bem a data, acredito que, por volta de 2001, o meu pai me levou lá para escolher um filme, lembro como se fosse ontem como os meus olhos brilharam com aquelas prateleiras, as capas de fitas de vídeo eram como obras de arte perante os meus olhos.

Com o tempo, aquilo se tornou um hábito, todo fim de semana eu estava lá. O dono do lugar, seu Álvaro, já me conhecia e me apelidou de “Marquinhos”. “Marquinhos, chegou um lançamento bom aqui pra você. Marquinhos, vai levar só um filme hoje? Pode levar mais, tá na conta do seu pai mesmo”. Essas eram algumas das frases que eu sempre ouvia dele, quando chegava no estabelecimento.

Algum tempo se passou, não me recordo porque, mas ficamos um tempo sem aparecer na videolocadora, até que, um dia, com uma súbita vontade de assistir a um filme, eu e meu pai resolvemos ir até lá depois de muito tempo. E qual não foi nossa surpresa quando nos deparamos com o espaço repleto de DVDs e sem nenhum lançamento em VHS para alugar. Já era do nosso conhecimento que os aparelhos de DVDs estavam cada vez mais populares, mas foi um choque perceber o quanto essa “troca” aconteceu tão rápida. E foi aí, por volta de 2004, que compramos o nosso primeiro aparelho de DVD.

Com o passar dos anos fui conhecendo mais a cidade e, consequentemente, outras vídeolocadoras, com mais opções e variedades que a do seu Álvaro e das locadoras do bairro. Então, um dia passando pela rua, percebi que aquela locadora na qual comecei a alugar filmes não estava mais lá, dando espaço a uma lojinha de presentes, e por mais que o meu hábito de entrar naquele lugar para alugar filmes tivesse diminuído, eu não conseguia deixar de ver quanta falta aquele espaço e sua história iriam fazer para aquela rua e para aquele lugar.

Conhecendo a Aplausos

 

por Marcos Vinicios Coelho

É impossível lembrar de uma história da minha vida sobre videolocadoras sem me recordar da primeira vez em que entrei na Aplausos Vídeo e conheci Dona Ana, hoje minha grande amiga.

Era uma noite de sábado, quase 21 horas, e eu queria alugar um filme para me distrair. Já estava em cima da hora da minha locadora favorita fechar. Corri o máximo que pude, mas foi em vão, pois quando cheguei na rua do estabelecimento, o lugar já estava com as portas abaixadas. Assim, comecei a fazer o caminho de volta para casa, aceitando a ideia que iria ter que me contentar com a programação de fim de semana da TV aberta, até que me veio a recordação de outra videolocadora no bairro. “Ela já deve ter fechado”, pensei comigo, enquanto decidia se iria ou não arriscar ir até lá. Foi então que dei a volta e me dirigi até a Aplausos Vídeo, uma videolocadora que ficava um pouco mais afastada da minha casa. E qual não foi a minha surpresa, quando vi que a videolocadora estava aberta e lotada de clientes.

Entrei no recinto, um pouco tímido e envergonhado, fui procurando filmes com um pouco de dificuldade de alcançar e enxergar as prateleiras tão altas (eu ainda era uma criança pequenininha na época), aquele ambiente pequeno, porém aconchegante, me deu um ar de conforto que na época não entendi bem, com isso acabei perdendo a noção do tempo e quando me dei conta já havia passado um bom período, o local já estava vazio e Dona Ana me encarando como se eu estivesse perdido no mundo. “Quer alguma ajuda?”, ela me perguntou. Eu, sem graça, peguei o primeiro filme que vi na minha frente e entreguei pra ela, quando percebi, vi que era um filme que já havia visto, mas, envergonhado, acabei não reclamando. Foi então que ela perguntou, “A ficha está no nome de quem?”. De imediato, estremeci, pois me lembrei que meus pais não tinham cadastro naquela videolocadora, mas acabei me recordando que meu padrinho morou por ali um bom tempo e, provavelmente, já havia alugado filmes. Falei o nome dele e, como imaginado, deu certo.

Quando paguei o filme e o recolhi para ir embora, Dona Ana me perguntou, “Onde Você mora? Eu não me lembro de ter visto você alugar filmes aqui outras vezes”. Então, contei pra ela que morava no bairro, mas costumava pegar DVDs em um lugar mais próximo da minha casa. Vendo que eu era uma criança e já era tarde, ela se ofereceu para me levar até em casa, acabei aceitando, pois realmente estava com medo de andar sozinho àquela hora, e meus pais, provavelmente, estariam preocupados.

Assim que ela fechou o estabelecimento seguimos o caminho para minha casa, sua irmã Penha (da qual também fiquei amigo) nos acompanhou. Fomos conversando sobre os novos lançamentos de filmes e, assim, a Aplausos, mesmo longe da minha casa, se tornou a videolocadora número um da minha lista. E as irmãs Ana e Maria da Penha, duas ótimas companhias para jogar conversa fora.

Até hoje eu continuo indo à videolocadora, mesmo não alugando filmes, simplesmente para papear com uma das irmãs que sempre são uma companhia divertida e agradável.

Invisíveis, só que não

 

por Marcos Vinicios Coelho

Sabe aquela pessoa que se senta ao seu lado no ônibus e você simplesmente dá um “oi” por educação? Aquele indivíduo apressado que te esbarra na rua e vocês rapidamente se desculpam e seguem pra sua rotina corrida? As crianças se lambuzando de sorvete enquanto brincam no parquinho, os idosos se divertindo com seus jogos no fim da tarde, aquele som ambiente que escutamos e acaba não saindo da nossa cabeça, dentre outros vários exemplos que poderíamos citar que fazem parte da nossa rotina cotidiana? Mesmo não tendo nenhum envolvimento emocional com essas pessoas e situações, os elementos acabam se tornando parte da nossa vida, ficando guardados dentro da nossa mente, e nos fazendo sentir familiarizados com aquilo. Essa é a base do curta-metragem Cemitério da memória, do diretor Marcos Pimentel.

O curta é um documentário sobre a pequena história do século XX. Um registro sobre a vida cotidiana de personagens comuns e anônimas de vidas simples, sem nenhum glamour, mas que nem por isso são desprovidas de beleza. Fragmentos sonoros e visuais que fizeram parte da vida de todos, mas que, muitas vezes, passaram despercebidos.

O filme inicia com a imagem de um casal de crianças andando por uma estrada de terra pouco movimentada, logo a tela se divide e essa imagem ganha uma legenda, “ontem”. Ao lado, uma nova imagem aparece, uma família se divertindo em um ambiente aparentemente mais urbano, assim, aparece “hoje”, na legenda abaixo. E, no fim, uma terceira cena aparece na tela, mas não enxergamos nada além de um fundo preto e uma legenda descrevendo o “amanhã”.

Nessa introdução, podemos perceber a intenção do diretor Marcos Pimentel em abordar a nossa vida cotidiana, de forma simples e singela para que nos familiarizemos com aquela época e nos identifiquemos, mesmo tendo se passando tanto tempo do período citado.

O curta segue com uma divisão em 7 blocos, cada bloco representando uma década e um dia da semana, e em cada um temos uma trilha sonora que cabe perfeitamente dentro da narrativa proposta, desde músicas a áudio de comerciais que representam determinado período.

O filme tem início na década de 1930, tendo como referência o dia de sábado, e as imagens representadas envolvem o lazer e a diversão, vemos pessoas assistindo a jogos de futebol, torneios de rodeios e festas temáticas.

No domingo da década de 1940, o lazer continua presente, porém, com um foco maior nas relações e nas confraternizações entre as pessoas. E durante o desenrolas das imagens, dentre os sons que as seguem, podemos ouvir uma propaganda de creme dental, com um ar nostálgico e harmônico, como aqueles comerciais voltados para a família.

Então, entramos na segunda-feira no ano de 1950, podemos acompanhar as pessoas voltando para suas rotinas do dia-a-dia depois de aproveitar o final de semana, com imagens que variam de crianças na escola a passeatas do Exército.

A narrativa se encerra na sexta-feira, representando os dias de hoje e com a frase “A memória é a construção do futuro”.

Podemos perceber, nesse curta, como Marcos Pimentel teve a sensibilidade de mostrar imagens reais, de pessoas comuns em seus momentos mais íntimos e corriqueiros, passando a mensagem de memórias que talvez nem imaginássemos ter, mas que, quando nos deparamos com elas, percebemos o quanto fazem falta no nosso cotidiano.

Dica de filme para o Especial de Cultura da Rádio Facom

por Marcos Vinicios Coelho

Curta-metragem Cemitério da Memória - Resenha de Marcos Vinicios
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© 2019 por Carla Baldutti. Jornalismo Cultural UFJF 2019 -1. Orgulhosamente criado com Wix.com

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