
Textos produzidos pelos alunos da disciplina Jornalismo Cultural na Facom UFJF sob supervisão da Professora Dra. Christina Ferraz Musse
Blog feito por Carla Baldutti
Prova Oral: registro histórico da cena musical em São Pedro
por Carla Baldutti
O tempo passa e as coisas vão mudando, alterando os espaços urbanos na cidade. Porém, ficam as marcas na memória de quem usufruía dos momentos vividos nos locais. Isto acontece de forma mais impactante em ambientes culturais que reúnem jovens. É o caso do saudoso bar “Prova Oral” que reunia principalmente alunos da Universidade Federal de Juiz de Fora, com música ao vivo.
O bairro São Pedro, de colonização alemã, era conhecido por “bairro das lavadeiras” e de trabalhadores rurais e braçais, mas isso muda em 1960 com a implantação do campus Universitário da UFJF.
E assim, de bairro residencial, a região da Cidade Alta passa a desenvolver o comércio para atender aos alunos. O professor universitário Eduardo Leão, frequentava o Prova Oral e relembra: “eram pouquíssimas opções, o bairro era praticamente residencial, não havia tanto comércio. Tinha lojas, mas não tinha comércio de lazer. Bares, restaurantes, botecos, enfim, isso que dá lazer para a juventude. A formação desses bares e botecos que existem aqui é muito em função da meninada aqui da universidade”.
Entre o final dos anos 80 e início dos anos 90 o bar altera a cena musical da cidade investindo no Rock e no Blues. Anderson Vieira, técnico da universidade, lembra que a casa “ficava na rua ao lado do portão norte, e pela proximidade, o pessoal ia à pé depois das aulas” e ele completa que “o próprio nome do bar remete à universidade”.
O público tinha perfil alternativo, ligado a campismo e roda de violão. Anderson conta que “tinha uma moçada de Juiz de fora que gostava tanto de subir a serra de Ibitipoca quanto de subir o morro do Prova Oral”. O técnico puxa da memória “que ficava lá no topo, no finalzinho da rua. Era uma rua que a ‘playboyzada’ da cidade não ia conhecer. Só mesmo quem frequentava via o charme do local. A entrada era lateral, e tinha que passar por um corredor para chegar ao interior da casa de shows. O ar era de pub com palco e teto baixos”.
O DJ Samuel Freitas morava a 3três casas do bar, na Rua F, no bairro Martelos. De casa, ele ouvia o som e percebia a movimentação vinda da casa de shows localizada na Rua Alberto Pinto: “lá ficava cheio, era um casarão verde parecido com um castelo”, explica. O som que ele ouvia vindo de lá era das bandas Led Zeppelin e The Who, como relembra: “tocava mais rock e tinha algumas variações como Mutantes”.
Mesmo tendo quem gostasse, a casa foi fechada por conta do barulho e da reclamação de vizinhos. Com isso, apesar do local não existir mais em São Pedro, a essência da música ao vivo foi levada para outra região da cidade com outro nome, o atual Cultural Bar que, este mês, completa 21 anos.
Marcelo Panisset, conhecido como ‘Marcelão’ começou a fazer parte da cena musical neste bar: "Eu fazia dez shows por mês no Prova Oral. Era tanto sucesso que a gente repetia as músicas. O Bareta e a Jussara, que eram os donos do local, ficaram cansados e passaram a casa para mim. Aí, junto com dois músicos da banda [Eminência Parda], a gente deu uma mexida na casa e seguiu."
Porém, mesmo continuando com a casa de shows no São Pedro, veio uma fase de mudanças como ele explica: "Acabaram fechando a casa, tivemos que ir pra outro lugar, fomos para perto do Estádio Municipal, e fecharam de novo, por causa de barulho. Quando encontramos o Cultural, no antigo lugar, também na avenida Deusdedith Salgado, ficamos ali e não tivemos mais problemas. Aí recebemos a proposta para montar a casa do jeito que queríamos e fomos pra onde estamos até hoje".
Cultural Bar: 21 anos de música com atitude
por Carla Baldutti
Originado do antigo Prova Oral, o Cultural Bar mantém a essência da música de qualidade. Reduto de músicos, muito da atual cena musical juiz-forana, nasceu na casa de shows em São Pedro.
Inclusive a banda Eminência Parda, cujos dois integrantes são proprietários do lugar, fazia shows no primeiro endereço e se mantém até hoje, como conta Marcelo Panisset: "Eu tinha um grupo de amigos que montou uma banda que chamava Hudson Coelho e contrabanda. Era um clima muito divertido, alegre e criativo. Ficamos juntos uns seis ou sete anos. De lá pra cá eu tive outras bandas, mas a que mais se destacou, que estamos tocando é a Eminência Parda, que estamos aí até hoje".
O juiz-forano, que é filho de crítico de música trabalhava como funcionário público federal, na rede ferroviária da cidade, mas as raízes falaram mais alto e ele nunca desistiu. “Tem que matar um leão todo dia, bate um desespero de secar a fonte, mas eu nunca vi outras possibilidades.” Ele destaca que "viver de música em Juiz de Fora não tem como, é muito difícil. O máximo que dá para fazer é sobreviver dela.” E "Marcelão", como é mais conhecido o proprietário da casa de shows, ainda ressalta que isso obriga muitos músicos a sair da cidade.
Quem também acompanhou a mudança dos espaços foi o jornalista Felipe Panisset, sobrinho de um dos donos. Ele relembra que "O Prova Oral era um lugar mais de resistência, de ter uma música melhor em Juiz de Fora todos os dias. Tinha Jazz, Blues, e o Rock também, e virava um refúgio do povo da UFJF." Felipe ressalta a peculiaridade do local que atraía bandas de destaque: "lá começou a trazer também nomes importantes na época com a banda Blues Etílicos e outros nomes mais famosos do cenário do Blues inclusive Big Joe Manfra, Baseado em Blues…" E assim, foi surgindo a cena para virar a outra casa, o Cultural Bar.
Tendo começado no fim dos anos 1980, o que o diferenciava dos outros bares que existiam na região de Juiz de Fora era abrir espaço para música ao vivo e, especificamente, apostando no segmento de Rock e Blues. O técnico da UFJF e atual bateirista da banda Arqueus Anderson Vieira salienta que "tinha um celeiro ali, uma cena de bandas que faziam um trabalho autoral e que obviamente tocavam cover também para animar a festa."
Muitas bandas e parcerias surgiram a partir daquele contato. O baterista lembra que "os músicos que não estavam no palco, com certeza estavam na plateia. E isso inclusive incentivava o surgimento de músicos novos. Aquele cara que aprendia um Dó no violão já saía daquela madrugada ali e já se interessava por ou aprofundar no seu instrumento ou por aprender um instrumento novo" como aconteceu com ele mesmo.
Inclusive isso se reflete na cena até hoje. Em Bandas, escolas de músicas e festivais da área é fato encontrar os músicos daquela época. De acordo com Anderson Vieira todo mundo está na ativa ainda e o maior legado deixado pelo Prova Oral para a cidade "é a sensação de pensar que eu posso fazer igual os caras que eu ouço fazem." O espaço, como ele reforça, reunia "gente querendo fazer música sem recursos mas fazendo música de boa qualidade, assim como os grandes músicos da época do Rio de Janeiro e São Paulo."
Anderson conclui que a mudança de local físico para o que existe hoje fechou um ciclo do espaço alternativo. Mas "o que se mantém fiel às origens é sempre a busca por um evento de música ao vivo de qualidade." Portanto, o Cultural Bar completa 21 anos fomentando cultura e abrindo espaço para novas bandas na cidade.

A música vai além da tecnologia
por Carla Baldutti
Estava ouvindo rádio como de costume e na playlist uma música me chamou atenção e quis encontrá-la para poder ouvir novamente. Peguei o celular, abri um aplicativo que reconhece a canção e logo identifiquei o nome da faixa e do compositor. Facilmente encontrei meu objeto de desejo numa plataforma digital.
Tudo simples e rápido. Tão veloz o processo que me reportei a um tempo, nem tão distante assim, quando usávamos fitas cassetes para armazenar áudio. Era mais complexo guardar uma música querida.
É, a gente só tinha nas rádios a oportunidade de encontrar o som desejado e acontecia um fenômeno comportamental. O locutor falava com a gente: “Agora se prepare, aperte o REC que vamos tocar inteira para você gravar”.
E a gente ficava ali, atentos, esperando o sinal do locutor “nosso amigo” que sabia a importância de conseguirmos aquela gravação, afinal, era a única forma de ter a música gratuita.
Era um ritual, desde comprar as fitas, preparar o som e deixar “no ponto” para a tão esperada hora de ouvir nossas canções preferidas e poder gravar.
Mas nem tudo eram flores. Se a fita agarrasse no cabeçote já era... Trabalho perdido. Aí, só uma caneta BIC poderia ajudar a desembolar e, com todo o cuidado, para não arrebentar e poder usá-la novamente.
Com tanto trabalho e dedicação exigidos, as fitas eram relíquias, como peças de um colecionador. Até que a tecnologia muda e evolui, jogando fora hábitos e memórias. E agora é só baixar um arquivo ou ouvir online. As fitas, atualmente, são raras e os aparelhos reprodutores também.
Talvez a grande diferença é que tínhamos a canção física, nas mãos. Mas o que sempre se mantém é a busca pela música que toca o coração, independente do meio de guardá-la… A tecnologia muda, o que emociona o ser humano, não.

Música no rádio: fonte eterna de inspiração
por Carla Baldutti

Estava preparando uma playlist bem saudosista, inspirada nos meus tempos de colégio quando me arrumava ao som da Rádio Solar FM. Sempre me lembro que acordava todo dia às 7 da manhã e enquanto trocava de roupa e arrumava a mochila, a sequência do programa Solar Só MPB me animava e me ensinava o que usaria anos mais tarde.
Era tão singular aquela programação que, quando não tinha aula, eu acordava somente para ouvir o programa e dormia novamente. Não podia perder o momento de escutar os clássicos da música popular brasileira.
Nas férias, então, que alegria poder ouvir até o bloco final, já que todo dia perdia a última sequência para não me atrasar para a escola. Marisa Monte, Ed Motta, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Flávio Venturini e o Clube da Esquina, Beto Guedes, Djavan, Guilherme Arantes, Milton Nascimento, os ícones da música nacional me foram apresentados ali naquelas manhãs.
E o melhor era comentar as mais marcantes canções do dia e compartilhar com as amigas a expectativa para o dia seguinte: fazia parte de nossa rotina, inclusive, apostar quem estaria no próximo programa. E, claro, apostávamos em nossos cantores preferidos.
Os anos se passaram, mas o hábito era um fato. E até mudando de escola e de turma, me mantive fiel e nem imaginava que um dia faria algo semelhante em minha rotina atual. Porém, um belo dia veio uma mudança na grade da emissora e a notícia de que o programa sairia do ar.
Aqueles momentos, entretanto, jamais se perderam para mim, pois os reproduzo em minhas playlists de música e de programas de rádio. Fica a lembrança, a saudade e a referência no trabalho com os meus ouvintes.
O rádio tem esse poder de gerar, com seus programas, experiências musicais marcantes e inesquecíveis, diferente de apenas ouvir uma sequência sem locução em um pendrive, aplicativo ou plataforma digital.
Mamão com açúcar in rapadura é doce mas não é mole não
por Carla Baldutti
Em 1998 foi financiado o CD “Mamão com açúcar” pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Juiz de Fora, conhecida como Lei Murilo Mendes. No álbum estão as composições “O beco não perde o tom”, “Botei seu nome na bandeira”, “Amor nem pensar” e “Ao amigo Toninho” (em parceria com Carioca); – “Sete costados” (com Marcinho Itaboray); “Falou e disse”, “Samba do aniversário”, “Endereço”, “De sapato branco”, “Decisão”, “Cordão de metal”, “Paulinho tanto do tanto”, “Vila Furtado” e “Tristeza pé no chão”.
A obra musical é do cantor e compositor juiz-forano Armando Fernandes Aguiar, o Mamão, nascido em 24 de agosto de 1938, que completou 80 anos em 2018. Ao longo de sua carreira, o artista compôs mais de 200 sambas. Ele começou sua história no samba aos 11 anos, quando desfilou na Escola de Samba Feliz Lembrança, da qual seu pai era vice-presidente. Seguindo suas raízes, começou a compor com a música “Água deu, água levou”; depois, escreveu sambas-enredos e, em 1968, resolveu participar do Festival de Música Popular Brasileira, em Juiz de Fora, com a música “Adeus diferente”, gravada pela cantora baiana Ellen de Lima. A canção ficou em quinto lugar no festival.
Mas Mamão estava apenas começando sua carreira e, nos anos seguintes, participou de todas as edições desse festival, porém sem obter sucesso. Até que, em 1972, sua composição “Tristeza pé no chão” foi campeã e estourou na voz de Clara Nunes. O disco com a música vendeu mais de 100 mil cópias e depois disso já foi regravada por diversos artistas como Alcione, Tereza Cristina e Zeca Baleiro.
Em 1973, Mamão faturou novamente o primeiro lugar, desta vez com a música “Baianeira”. Nesse mesmo ano, Mamão criou, com um grupo de amigos, o Bloco do Beco, cuja intenção era manter viva a tradição dos carnavais de rua, das décadas de 1950 e 1960, na cidade. O bloco continua desfilando pelas ruas de Juiz de Fora e é reconhecido como patrimônio cultural tombado pelo município.
Armando lançou também os CDs “Pedacinhos de Mamão” (2004), e “Bloco do Beco: trinta anos de folia” (2006). Ao longo do tempo, o sambista se afirmou como um dos mais importantes nomes do samba e da música popular na cidade. Sua projeção se deu em função dos festivais que projetaram Juiz de Fora no cenário nacional da MPB, nos anos 1960 e 1970. Inclusive, vale ressaltar que Mamão é verbete no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
Apesar de toda essa referência e do reconhecimento nacional com as regravações feitas por grandes intérpretes, não é possível, atualmente, encontrar o álbum. De acordo com o próprio compositor “o CD Mamão com Açúcar não existe mais”. E para quem o tenta adquirir, ou simplesmente conhecê-lo, o músico oferece uma coletânea pessoalmente gravada, em pendrive, com 20 músicas contendo as faixas do álbum. Para a distribuição local de sua obra, o compositor conta com a ajuda de um ponto comercial no Centro de Juiz de Fora onde marca a entrega.
Essa obra é relevante no contexto local, pois vários músicos da cidade participam do projeto, além de valorizar a cultura regional, as músicas e o carnaval juiz-forano. Ainda assim, a ausência da obra revela o momento político do país que deixa a cultura em último lugar.
No governo atual foi extinto o Ministério da Cultura, e a lei municipal, não tem mais aberto edital por falta de recursos. Isso se reflete na população que perde em identidade ao deixar de ter acesso às obras e aos músicos que os representam.
Mesmo com distribuição alternativa, a audição das músicas do disco “Mamão com açúcar” é obrigatória para quem valoriza o samba e a cultura da cidade.

Dica de livro para o Especial de Cultura da Rádio Facom
por Carla Baldutti
Acessibilidade
Técnica: Vinheta Arte e Cultura – 12”
Apresentador: Olá ouvintes! Está no ar o especial de cultura da Rádio Facom, com indicação de produtos culturais marcantes para a cidade de Juiz de Fora. Hoje a dica é da estudante de Jornalismo Cultural da Faculdade de Comunicação da UFJF, Carla Baldutti, que vai falar sobre música. O que você traz para a gente, Carla?
Repórter: Oi ouvintes da Rádio Facom. Minha dica de hoje é a leitura do livro A História Recente da Música Popular em Juiz de Fora de 1977, de Carlos Décio Mostaro, João Medeiros Filho e Roberto Faria de Medeiros. A obra trata de MPB no período de 1945 a 1975.
O livro nasce dentro de um movimento cultural importante da música na cidade, o Beco. Os autores trazem detalhes dos festivais de música da cidade inclusive com a cobertura da imprensa. Eles relembram os espaços como o Olímpico Clube e as casa de Shows Raffa's, Dreams, e os grandes nomes da MPB que frequentaram esses espaços de Juiz de Fora.
O livro conta também sobre projetos musicais da cidade que incentivaram grandes músicos como Big Charles e valoriza os músicos locais como Alberto Cyrino Moutinho fundador e integrante do Grupo Coisa e Tal.
Apresentador: E onde a gente encontra o livro?
Repórter: Infelizmente este livro fundamental para a música da cidade está esgotado e só é possível comprar em sebos ou tirar cópias de originais nas bibliotecas. Fica aqui a minha sugestão para que os órgãos de cultura de Minas Gerais e as editoras locais para que relancem o livro com destaque, pois temos em Juiz de Fora pesquisadores da área e é um investimento necessário em cultura. Mesmo que dê um pouco de trabalho para encontrar um exemplar ou conseguir fazer uma cópia, fica aqui a minha dica desse livro sobre música fundamental para a cidade que vale a pena ler. Música também é história e esse livro trata da história da mpb na nossa cidade. Carla Baldutti para a Rádio Facom.
Apresentador: Muito Obrigada Carla Baldutti. O especial de cultura da Rádio Facom fica por aqui. Até a próxima dica!
Técnica: Vinheta 103, 9 FM 5”